Mata Grande: Roberto “Chapéu de Couro” Barbosa


 

 Olá,
amigos, nesse mês de junho o blog do Clube do Vinil de Alagoas chega a sua
vigésima quinta entrevista, e pra comemorar essa marca, compartilhamos com
vocês esse papo bastante revelador com um dos grandes artistas da nossa terra,
Roberto Barbosa, que nos brindou com um pouco de sua história, detalhes das
gravações e prensagens dos seus quatro vinis lançados, o processo de composição
de um dos grandes hinos de Alagoas, “Ponta de Lápis”, o contato com a cantora
Leci Brandão, e fatos, até então inéditos, sobre os problemas que ele teve com
relação ao nome Beto Barbosa. Se estão curiosos pra saber, escolham a opção que
melhor lhes conforte e embarquem em mais essa história.
Dimas
Marques – Então, Roberto, como se deu o seu primeiro contato com a música,
enquanto consumidor, ouvinte?
Roberto
Barbosa – Como ouvinte? Ah, através de bailes. Dos bailes, na minha época
existiam muitos bailes, e vinham bandas de Maceió, eu sou do interior, Mata
Grande, Alagoas. Aí vinham bandas de Maceió, bandas de Palmeira dos Índios,
Garanhuns, enfim, naquele tempo, bandas viajavam interestadual, vinham bandas
de Pernambuco, Paraíba… E aí me fascinava, tudo aquilo me fascinava, desde a
chegada dos músicos, aquelas figuras diferentes, cabelos grandes, cabelos amarrados,
e alguns até com tatuagem já, e instrumentos na mão. Eu ficava imaginando a
vida deles, como seria, viajando, se apresentando de cidades em cidades,
hotéis, passando a maior parte da vida  
dentro de um ônibus, ou, naquele tempo tinha veraneio, rural. Então tudo
isso me fascinava, eu até ajudava eles a descarregar. Quando chegava a noite,
eu ficava aguardando ansioso pra chegar a hora que a banda ia ligar o som. Eu
não só ajudava a descarregar, como ajudava também a montar, ficava por ali, o
que eles precisassem, eu corria pra servir, pra ajudar, e pra mim, pra escutar
o som ligado, e eles passando os instrumentos, aquilo pra mim era o ápice. Era
até, eu achava mais interessante do que mesmo a apresentação à noite. Mas aí
terminava tudo, vinha pra casa tomar banho, jantar, porque eu chegava antes de
começar, chegava antes mesmo dos músicos. Então era uma coisa assim que me
fascinava desde criança. E a minha vida seguiu isso mesmo, logo depois eu, com
15 anos, fui pra Campina Grande, na Paraíba, estudar, até pra completar meus
estudos, e lá quando eu tive contato profissional com a música. E aí também fui
cantor de bandas, e viajei a Paraíba toda, Pernambuco, também vi pra Alagoas
com a minha banda, pra alguns municípios na divisa, na zona da mata, também na
minha cidade, Mata Grande, levei a banda pra lá. Então foi assim meu contato
com a música, foi na época dos bailes.
DM
– Em que ano você começou sua carreira profissional?
RB
– Bom, a carreira profissional mesmo, 76.
DM
– Isso em Campina Grande.
RB
– Campina Grade.
DM
– E quais bandas você participou?
RB
– San Remo foi a minha primeira e única banda. Foi uma banda pequena,
considerada pequena, mas na época existiam algumas bandas assim, de destaque no
nordeste, quais sejam, Homens de Ouro, de Caruaru, Ogirio Cavalcante, de
Campina Grande, Os Vikings e Tuaregs, de João Pessoa. E essa minha banda, San
Remo, chegou a tocar por várias… Dividimos palco várias vezes, era uma banda
pequena, e quando eu saí da banda, ela já estava bastante conhecida, e já nesse
padrão de Ogirio, de Homens de Ouro, de Tuaregs… Foi assim.

DM
– Era uma banda de baile, ou uma banda autoral?
RB
– Banda de baile. A gente tocava músicas dançantes, pras pessoas dançarem.
Então a gente tocava as músicas das melhores bandas e dos movimentos da década
de 60 e 70. Era assim.

DM
– E como é que você viu a cena musical em Alagoas quando você veio tocar com
essa banda?
RB
– Bom, na época que eu vim tocar, essa época, o movimento de baile era um
movimento, vamos dizer assim… Como eu diria, era um movimento muito comercial,
não era um movimento assim artístico-cultural. Esporadicamente, algum músico de
uma dessas bandas, eu citei todas, poderia se destacar a nível nacional, a
exemplo de Ovelha, e alguns outros músicos e cantores também que se destacaram
depois nacionalmente. Mas, quando eu visitei, com a banda, Alagoas, era
meramente pra vim tocar os bailes. Então União dos Palmares, Murici, Usina
Serra Grande, São José da Lage, Mata Grande. Então a gente vinha, tinha os
contratos, a gente ia tocar o baile, terminava e ia embora. Assim, eu sabia que
existia algumas bandas também aqui, como, na época tinha a Threvus, tinha a banda,
agora me falha a memória… ABX, tinha banda Raízes, tinha uma banda de Viçosa
que também era bastante conhecida. Mas era assim, a gente tinha admiração uns
pelos outros, mas quem levava mais a fama era a banda. Só depois que eu vim
definitivamente pra Maceió, em 80, é que eu participei de um festival
universitário, e aí sim, eu passei a conhecer o movimento artístico-cultural de
Alagoas, tive contato com Eliezer Setton, tive contato com… Enfim, bastante
pessoas na época, Caçoa Mas Num Manga, a Gal participava desse grupo, Jorge
Barbosa… Odisseia, que era uma banda de rock, Poções Mágicas, Geo d’Ameida,
Asas da Imaginação, Banda Vuô. Então assim, nessa época, realmente fervia,
Maceió estava fervendo, e foi quando eu fui classificado nesse festival, fui segundo
lugar, com a música “Nenhum Segredo”, do Antônio Lopes, e, assim, foi muito
bom, as coisas começaram a fluir na minha vida. Depois abri um barzinho na
Pajuçara, chamado Chapéu de Couro, lá numa galeria, Ponto de Ouro, e aí a gente
passou a produzir shows no Teatro Deodoro, começamos no Arena, depois fomos pra
o teatro grande. Daí veio “Ponta de Lápis”, em 84…

DM
– Qual foi o festival que você participou?

RB
– IV Festival Universitário da Música Alagoana.

DM
– O do DCE.
RB
– É. Eliezer Setton foi o primeiro lugar. Eu fui eleito… Ah, desculpa, não foi
segundo lugar, eu fui eleito a melhor música no júri popular, melhor
intérprete, meu título foi esse. Não foi segundo lugar, foi a melhor música,
“Nenhum Segredo”, e melhor intérprete júri popular. As pessoas, quando
entravam, no ingresso destacavam o ticket, e tinha lá pra votar na melhor
música. Então pra mim, acho que… eu me sinto vencedor, porque a minha votação
foi esplendorosa, dizem que “a voz do povo é a voz de Deus”, o pessoal tem esse
costume de falar isso, não que eu concorde, mas eu fiquei muito feliz, muito
satisfeito em ficar com melhor música e melhor intérprete júri popular. Eu não
fui classificado, não lembro se foi em terceiro, acho que foi… Eliezer foi o
primeiro, e teve um outro rapaz que foi segundo lugar. Acho que eu fiquei em
terceiro, se não em engano.

DM
– Esse foi o único festival que saiu em Lp, no caso, a sua música está dentro
desse disco?

RB
– Olha, eu não lembro, acho que eu não gravei. Teve Lp nesse quarto festival?
É, não lembro, não sei… É bom você fazer essa pesquisa.

DM
– Eu tenho o Lp, depois dou uma olhada.
RB
– Você tem o Lp… Eu não lembro de ter participado desse Lp. Não lembro bem como
era o critério também. Eu sei que eu fui eleito melhor música e melhor intérprete
júri popular, a minha classificação, realmente, na final, eu não lembro. Seria
até interessante você postar.

DM
– Como era o clima dentro do festival, os dias de eliminatórias pra tocar,
entre os músicos?
RB
– Ah, era muito bacana, porque tinha uma banda que ensaiava e tocava com todo
mundo, e no Teatro Deodoro, nas eliminatórias, inclusive teve um fato curioso,
que lá eu fiquei em primeiro lugar pelo júri, Eliezer ficou em segundo, e na
final Eliezer ficou em primeiro. Eu até nem lembro qual minha colocação,
preciso até rever isso aí, só lembro da questão do júri popular. Mas o clima
era o melhor possível, fantástico, uma coisa, pra mim, nova, uma coisa muito
nova, foi a porta que abriu, porque ninguém me conhecia, eu estava chegando de
outro estado, e o Eliezer, como citei, e outras pessoas, assim, que eram muito
conhecidas aqui, monstros sagrados, e foi a minha janela.
DM
– Esse período da sua volta a Maceió, junto com o festival, foi o período que
você começou a compor, ou já compunha desde antes?
RB
– Já tinha algumas composições antes, mas foi uma coisa muito inicial, algumas
musiquinhas, inclusive eu nunca gravei, porque achava que era muito bobinha as
coisas, mas eu já tinha essa… Já escrevia sim.
DM
– Falando agora sobre essa questão da produção e shows, quando você abriu o bar
Chapéu de Couro. Com era, você produzia shows de bandas de baile, ou mais
artistas autorais?
RB
– Só autoral, nossos shows eram todos autorais, nessa época do teatro. Nós, até
então não gravávamos, não tinha ainda gravado nada, só interpretando músicas
minhas, ou de meus irmãos, Gláucio e Adeilton. Eu tive parceiros como o Toni
Augusto, que deu título a esse Lp aqui, Coisas da Natureza. Eu fui o primeiro a
gravar a música “Coisas da Natureza”, do Toni, fui também o primeiro a gravar
“Nenhum Segredo”, do Antonio Lopes e Luiz Carlos, que é pianista. A gente fazia
produção caseira mesmo artesanal, produzíamos os cartazes, colávamos nas
noites, naquele tempo a gente sujava as paredes, não tinha essa coisa
politicamente, não era politicamente correta, mas a gente fazia isso, enfim,
vendíamos os ingressos na mão mesmo, divulgávamos de todo jeito. Depois é que
houve o projeto Pixinguinha, e o pessoal do projeto veio pra Maceió, porque
tinha o projeto Pixinguinha nacional, e eles precisavam de janela, que era o
segmento Janela para os Novos. E aí coincidiu que nós estávamos com esses shows
já montados, já apresentando esses shows, e nós nos inscrevemos, várias bandas
locais e artistas se inscreveram, houve lá uma, vamos dizer assim, uma
apresentação, e esse pessoal veio do Rio, fez a seleção dos artistas que
abririam os shows dos artistas do elenco principal. Eu fui classificado pra
abrir o show do Sá & Guarabyra. Maravilha, fui agraciado, porque sou fã de
Sá & Guarabyra, sempre fui, e foi maravilhoso. Aí a banda do Sá &
Guarabyra, eles gostaram do meu trabalho, e fizeram um convite pra eu ir gravar
no estúdio deles em São Paulo. Eu gravei com a banda toda do Sá &
Guarabyra, com participação do Oswaldinho, onde eu gravei meu primeiro
trabalho, que foi o compacto duplo, com as músicas “Ponta de Lápis”, “Céu Mar”,
“Nenhum Segredo” e “Louco Querer”, eu adoro todas as quatro, minhas primeiras
filhas, e meu primeiro disco gravado, com o selo Chapéu de Couro, que era a
marca do nosso bar, e então trouxemos pra cá.
DM
– Antes de falar com mais detalhes do compacto, você lembra quantos shows
chegou a produzir nesse período do Teatro Deodoro?
RB
– Ah, não lembro, porque nós também levamos esse mesmo show para o Teatro
Municipal de Campina Grande, e ficamos lá um final de semana, três
apresentações, fiz, eu não lembro quantos no Arena, quantos no Deodoro. Não
lembro, mas acredito que em torno de cinco apresentações, entre Arena e Teatro
Deodoro.
DM
– Isso apresentações suas?
RB
– É, minhas, e meus irmãos sempre me acompanhavam. Então tinha shows que eu
fazia só, solo, e eles faziam o back, e teve também shows onde nós três
produzíamos shows dos três.
DM
– E de outros artistas, que você produziu também nesse período?
RB
– Não cheguei a produzir de outros artistas não. Cheguei a contribuir, fiz um
projeto – eu tinha uma boate na época – aí eu lancei um projeto chamado “Quinta
Musical”, e aí nesse Quinta Musical nós demos oportunidades a vários artistas,
que se revelaram, nós ajudamos dessa forma. Artistas como Serginho, da banda
Time Machine, ele fez cover – geralmente era cover – do Fábio Jr, foi um show
muito bacana, o Allan Bastos fez, se não me engano, Cazuza, o primeiro Cazuza
que ele fez foi na boate Dunas, toda produção minha, Adeilton, meu irmão,
Adeilton Barbosa fez Caetano Veloso, quem mais, meu Deus… Eu trouxe um workshop
do Fernando Nunes, baixista, que na época tocava com o Luiz Caldas, e ele veio,
trouxe um guitarrista, muito bom também, fizeram um show instrumental, também
Luiz Carlos fez show instrumental, Luiz Carlos, piano, enfim, tem muita gente,
teve o rapaz que fez Raul Seixas, Sandro Seixas, fez maravilhoso, foi pra São
Paulo, e até hoje vive lá, se encaminhou na música lá também, e vive da música.
DM
– Ainda nesses shows, antes do projeto Pixinguinha, como era a média de público
nessa época?
RB
– Olha, era muito boa, eu cheguei a esgotar o Deodoro, uma média de, vamos
dizer assim, em torno de 600, mas cheguei a botar 800, tiveram que fechá-lo,
como era show pesado, muito som dentro do Teatro, então não podia lotar toda a
capacidade, mas cheguei a colocar mais de 800 pessoas lá dentro. E os nossos
shows, Arena topado, 200 e poucas pessoas. Eu só tenho boas lembranças, nunca
fiz um show que me entristecesse, sempre lotado, casa mais da metade pra
frente. Sempre foi muito bom.
DM
– E você já tinha um repertório de músicas próprias já nessa época, antes das
suas gravações?
RB
– Já! Já tínhamos sim, já tinha um repertório, já tinha muita música composta,
como eu disse também, meus irmãos também compunham, aí completavam o
repertório, e os músicos também, como eu falei a exemplo do Toni, sempre a gente
estava trabalhando ali em conjunto, sempre autoral. Alguns shows nós
produzíamos, que aí a gente colocava muita MPB na época, Alceu, Geraldo
Azevedo, enfim, as músicas que na época faziam muito sucesso, que a gente
também fazia essa… Quer dizer, tinha show que a gente fazia voltado pra música
que estava tocando, também no Deodoro, mas sempre com um toque nosso, e outros
shows mesmos autorais pra divulgar o trabalho, mostrar o projeto.
DM
– Falando agora em detalhes sobre o seu primeiro compacto, esse convite da
banda do Sá & Guarabyra surgiu a partir deles mesmo por advento do seu
show?
RB
– Sim, foi a partir do… Nós abríamos os shows deles, e foram três dias, sexta,
sábado e domingo, e aí rolou aquela sinergia, aquela coisa boa, aí eles
passaram a assistir o nosso show. Geralmente os músicos chegam na hora, mas
eles se encantaram com o show em si, os músicos, muito bons músicos, Toni
Augusto, Zé Barros, Tonho no piano, Jeff Joseph, percussão, Nogueira na
bateria. Assim, era uma banda muito bacana, e aí eles curtiram demais, e o
percussionista da banda, Marco Bosco, ele era produtor, e produzia também junto
os discos do Sá & Guarabyra, e produzia artistas independentes. Ele me convidou
pra fazer o meu disco com eles, eu queria fazer um disco, estava me preparando,
mas não sabia, por ser em São Paulo, estava pensando em Recife, por causa dos
músicos, questão de custo, aí ele ofereceu de ficar na casa dele, eu ia pagar o
estúdio, que era deles, ele ia conseguir um preço melhor pra mim. Não ia gastar
nada com hospedagem, só as passagens e o estúdio, com desconto. Depois ele me
mandou um orçamento, aí eu fiz uma vaquinha dentro da família, que me ajudou,
tá tudo escrito na contracapa. Aí eu fui, eles foram maravilhosos. Belchior
tinha um selo também, fui lá assistir a gravação durante muitos dias, e
conversou comigo sobre a possibilidade de ir pra o selo dele. Um olheiro da
Continental também foi lá, mas aí é uma história que depois houve uma interrupção
pra que eu pudesse… Porque o Marco Bosco disse que eu iria pra Continental, ele
sinalizou a Continental.
DM
– Isso na época do compacto?!
RB
– Na época do compacto, aí eu disse, e não sei se acertei ou errei, acredito
que errei, profissionalmente eu errei. Ele chegou pra mim e falou que a
Continental tinha uma proposta pra mim, eu iria pra Maceió, deixava a fita que
ele ia vender, e a palavra “vender” me assustou, eu era muito jovem, e isso era
como meu filho, quando ele falou “vender”, aquilo me machucou. Eu não entendia
como funcionava. Então ele ia vender a fita pra gravadora, que ia lançar.
Agora, ele poderia me repassar alguma coisa ou não dos custos, não sei como
isso iria funcionar, eu só sei que eu falei pra ele que não. Eu pensei, eu tinha
o bar, que era lotado, eu pegaria 3000 cópias, venderia rapidinho. Mas aí
interrompi minha carreira, porque aí ficou mais difícil, só depois que veio a
Comdil, e aí eu lancei o Paraíso Azul… Deu certo, esse projeto, pra o que eu
imagino, o caminho que eu escolhi, deu certo, mas aí a Continental lançou outro
Beto Barbosa. Quando o Paraíso Azul estava pronto, a capa, tudo, foi quando eu
recebi a notícia da própria Polydisc, a gravadora, que a Continental estava
lançando o Beto Barbosa, o que era que eu iria fazer, se alterava ou não. Como
eu estava muito confiante, eu não alterei, quem tiver mais, vamos dizer assim,
quem tiver mais “bala” que vai sobreviver, eu dei uma reposta mais ou menos
assim. Só que o cara veio com a Continental, com a Globo, com a lambada, e aí
ficou pesado, ficou ruim pra mim. Então aconteceu esse incidente na minha vida,
que talvez muita gente não saiba porque eu alterei depois pra Roberto Barbosa,
gravei o segundo Lp, foi muito bom, mas eu já estava muito afetado nessa época
aqui pela lambada, mas ele foi um disco que teve uma música, “Ilha de
Itamaracá”, essa música estourou, houve até um clipe, a Gazeta fez um clipe com
essa música, foi maravilhoso. Muito bom esse disco, mas estava a mídia toda
afetada pelo Beto Barbosa da lambada. Eu quase desisti, cheguei em 91, a RGE,
através da Comdil, me incentivou a gravar esse disco aqui, Coisas da Natureza.
A Comdil primeiro, depois que eu gravei, lançou pela RGE. Veja aqui que eu
voltei as grandes gravadoras. Aí a música que estourou aqui foi “SOS Planeta
Terra”. Bom, estouro, beleza, também é um disco bom, mas é um disco que eu
considero um pouco mais comercial que os outros. Mas eu decidi encerrar a minha
carreira com esse disco, foi uma decisão minha, já não estava feliz com algumas
coisas, todas as vezes que eu saía pra divulgar o disco, eu tinha que contar a
história do porquê Roberto Barbosa, aí tinha que contar a história do Beto
Barbosa, e isso me irritava profundamente, assim, me entristecia, porque eu ia
me divulgar, e acabava tendo que falar no cara, e ele já estava na Globo e tudo
mais. Então assim, foi muito difícil pra mim, e foi por isso que eu decidi
parar. Como eu era formado em direito, decidi viver do Direito, já era formado
desde 85, mas não exercia, então fui fazer um estágio dentro de um escritório
grande aqui, e aí depois de dois anos, eu fui caminhar com minhas pernas, até
hoje. Então essa é mais ou menos a minha história, esse foi o incidente, dois
incidentes, primeiro que lá atrás o Marco Bosco, que produziu o meu compacto,
já tinha convite pra Continental, e era um grande lance, entendeu? Eu não tive
maturidade, nessa época, e atrapalhei minha carreira. Enquanto todos sonhavam
em ir pra uma gravadora grande, eu rejeitei, eu dei não ao Marco, eu tenho essa
dívida com o Marco Bosco, nunca mais o encontrei. Eu tenho essa dívida com ele,
que ele foi super demais comigo, e eu não fui maduro. Ele é produtor, e nada
mais justo que ele pegasse minha fita, eu viesse pra casa tranquilo, só receber
o convite, pegar o avião, ele já mandava as passagens, era ir e assinar o
contrato com a Continental. Pedro Collor, a Continental sempre lançava as
melhores da Gazeta, e em 86, se não me engano, ele, Pedro Collor, condicionou,
só faria o “Melhores da Gazeta” se colocasse a minha música, “Ponta de Lápis”,
e eles lá não aceitaram, porque, como é que vai colocar um cantor regional no
meio de Fábio Jr, Alcione, a galera toda. Então eles não aceitaram, e Pedro
Collor nesse ano não fez o “Melhores da Gazeta”. São coisas que aconteceram
comigo. Mas voltando, o primeiro incidente foi a história do Marco Bosco, da
banda Sá & Guarabyra, que ia pegar a fita, já estava pronta, e ia levar pra
Continental. E o segundo incidente foi na gravação do Paraíso Azul, quando eu
terminei e foi lançado como Beto Barbosa, aí sim a Continental lançou o Beto
Barbosa da lambada, culminando com o disco Coisas da Natureza, que foi, assim,
pra mim, eu estava satisfeito, não precisava provar nada pra ninguém que era
popular, que era vendedor de disco, vendi muito disco. Então eu decidi parar,
fiz um show de encerramento na minha cidade, Mata Grande, uma boa produção,
fizemos um show muito bom, e anunciei o encerramento da minha carreira na minha
cidade. Então é isso aí, eu parei porque quis!
DM
– Teve esse incidente com a Continental, mas também teve a questão do convite
do Belchior. Porque também não houve um acerto pra o selo dele?
RB
– Porque o Marco Bosco já tinha, através de um olheiro da Continental, já tinha
praticamente fechado, já estava praticamente certo a minha ida pra Continental,
eu é que não tive maturidade pra entender a dimensão da coisa, eu fiquei
olhando pequeno, ou seja, minha visão naquele momento foi pequena, foi pra
Maceió, pra Chapéu de Couro, Teatro Deodoro. Me faltou a visão empresarial
nesse momento. Eu era um jovem querendo ser artista, mas não entendia nada de
mercado, principalmente o mercado fonográfico.
DM
– Bem, então, recusando esse convite… Como foi a prensagem do compacto?
RB
– Bom, aí quando eu falei que vinha pra cá, ele muito triste – ficou muito
triste – entendeu, e encaminhou pra prensagem. Ele fez a parte dele, direcionou
tudo direitinho, eles entregam no endereço, mandaram os 3000 – tirei 3000
cópias na época –, e aí acabou rapidinho a tiragem das 3000 cópias. Aí foi
quando já surgiu o convite da Comdil, através do Jacinto, grande figura, grande
amigo, grande pessoa. A Comdil nessa época surgiu pra fazer a diferença na vida
dos artistas, porque nós passamos a ter acesso a distribuidora da Polydisc.
DM
– Mas você teve custo pra prensar o compacto, ou o Marco Bosco que…?
RB
– Não, o orçamento era estúdio e prensagem. Nesse caso aí eu primeiro fiz o
estúdio, depois ele fez o orçamento da prensagem, eu paguei, viajei e depois
recebi.
DM
– Mas quem cuidou da burocracia toda pra mandar prensar foi ele?!
RB
– Marco Bosco, foi. Ele foi fantástico, eu que fui infantil, mas cumpri meus
pagamentos todos.
DM
– E como foi a distribuição, como você vendeu os compactos?
RB
– Na mão, mão a mão. Como eu tinha o bar, na época já era no Pontal da Barra,
então eu vendia muito lá, eu, meus irmão, garçons… Foi uma loucura, sabe, a
gente vendia muito. Eu saía nos barzinhos da orla, dava uma canja, tocava três
ou quatro músicas, não podia tocar muito, senão não conseguia vender muito. Aí
eu dava canja nos barzinhos, aí as pessoas era me pagando e eu autografando na
hora, entendeu? Tudo assim na hora. E assim as 3000 cópias voaram em tempo
recorde. Foi rápido. E aí eu ia fazer novo pedido, mas foi quando surgiu essa
oportunidade de gravar o Lp pela Polydisc.
DM
– Pra encerrar a questão do compacto, eu queria que você falasse como foi o
processo, como você teve a inspiração pra compor “Ponta de Lápis”.
RB
– Aí é problema. É o seguinte, as turistas e os turistas vinham muito pra
Maceió, pra Recife, Fortaleza. Na época eu conheci uma turista, ela veio com o
irmão, e vieram pra Salvador, de Salvador vieram pra Maceió, de carro, vieram
de avião pra Salvador, e da locaram um carro, e estavam indo até Fortaleza. Aí
acabou a gente se conhecendo, ficou por aqui, não quis mais conhecer as outras
cidades, daqui ela voltou. Um belo dia eu escrevi como se fosse ela escrevendo
uma carta pra mim, “ponta de lápis escrevo amor à vista, viajei de mar acima,
te encontrei em Maceió, minha sereia, Ponta Verde, Pajuçara…” Lugares que a
gente andava, era como se fosse ela escrevendo pra mim, ou escrevendo uma
poesia. Eu estava caminhando na Jatiuca quando veio a ideia, aí eu corri pra
uma barraca, peguei com o garçom um papel de comanda, caneta e fiz “ponta de
lápis escrevo amor à vista, viajei de mar acima, te encontrei em Maceió, minha
sereia, Ponta Verde, Pajuçara, os seus braços me embalam, saudades de Maceió”.
Corri pra casa, peguei o violão, e já estava a melodia pronta, ré, si menor,
sol, lá… Já saiu a música, só que ela ficou só até essa parte que eu falei da
poesia. Aí fui pra o bar Chapéu de Couro, tinha um rapaz chamado André, que ele
era de Minas, e era viajante, pediu pra dar uma canja, a gente gostou do
violão, da voz dele, e ele ficou um tempo lá com a gente, pagávamos um cachê
pra ele. Aí eu mostrei a música pra ele, e falei que não saía daquele trecho,
aí ele sugeriu de fazer um acróstico de Maceió, “M de mar, A de amor…” Aí eu “C
de carinho…” E nós completamos o acróstico, assim conversando como a gente está
aqui agora. Aí eu botei no violão e ficou legal, massa, tanto é que eu coloquei
aqui, só que eu não sabia como colocar, e ele foi embora. Depois eu gravei a
música, aí tem outra passagem, que é do Marcus Vagareza (Marcus Maceió), e eu
conto já. O acróstico, o André sumiu, ninguém sabe desse rapaz, nunca mais
tivemos notícias dele. Eu gravei os discos, mas não tinha como colocar ele como
parceria, porque eu não tinha nenhum documento mais dele, não tinha notícia
dele mais, nem tenho até hoje. Soube de algumas pessoas por longe que ele havia
falecido, isso há muitos anos, na década de 80 ainda. Mas não tenho a menor
notícia de onde ele morava, nada, então coloquei aqui como incidência na poesia,
mas não foi incidência em poesia, não existiu poesia dele aqui. O André deu a
ideia do acróstico. Aí vem outra coisa, em outro momento, o Marcus Maceió com a
esposa me visitou no Chapéu de Couro, eu não conhecia o Marcus, ele se
apresentou, deu uma canja… Aí combinamos pra no outro dia irmos a piscina
natural. No percurso na jangada o Marcus Vagareza me mostrou um refrão, eu não
tinha feito ainda essa música “Ponta de Lápis”, foi antes. O Marcus me mostrou
o refrão, só tinha saído isso, “Ai que saudade do céu, do sal, do sol de
Maceió”, parou aí. Eu achei aquilo bacana demais, aí disse que ia terminar e
avisava por telefone. Fizemos o passeio… Um belo dia, foi quando saiu a música
“Ponta de Lápis”, depois da ideia do acróstico, nós conversando, ainda estava
faltando alguma coisa, falei pra o André, tocava, repetia a música, “M de mar,
A de amor, C de carinho, sol e mar de Maceió, E de eterno, I de ilusão, O
Maceió você roubou meu coração”. Mas faltava, foi quando eu lembrei do Marcus
Vagareza, foi quando eu lembrei do refrão, parece que foi Deus, construiu pra
encaixar. Aí quando eu lembrei “…O Maceió você roubou meu coração, aí que
saudade do céu, do sal, do…” olha que perfeição, é uma coisa perfeita, não tem
emenda, não tem rasura, perfeito! Nós bolávamos de rir, de felicidade, isso era
a tarde, a tardinha essa hora, mais cedo um pouquinho, e a música ficou
perfeita, ficou completa. Aí eu mostrei no bar a noite, e foi um sucesso. Na
terceira vez que eu cantei, todo mundo já estava cantando a música. Aí sim, no
Lp (Paraíso Azul) que eu repeti ela aqui, eu coloquei “música incidental de
Marcus Maceió”, porque o Marcus também, quando eu liguei pra ele, ele tinha
terminado a música dele e gravado, e estava vindo pra lançar em Maceió. Eu não
sabia o que fazer, a minha música já estava estourada aqui, na boca do povo, aí
eu falei pra ele eu ia colocar como incidente na sua música, era uma música
diferente da sua, só tinha a incidência, aí sim era uma incidência. Aí eu
gravei, estourou, eu coloquei no compacto como incidente na música “Ai Maceió”,
de Marcus Maceió. Aí eu liguei pra ele, como a música dele não aconteceu, não
pegou, aí eu liguei e propus dele ser meu parceiro na “Ponta de Lápis”, não
seria mais incidental, seria uma música minha e dele. Ele adorou a ideia, no Lp
Paraíso Azul ainda está como incidental, foi na RGE que ficou a parceria, saiu
na impressão a incidência, mas no registro da música está como parceria.
DM
– Até o André aqui tem o nome.
RB
– Até o André aparece também, você está vendo. Só que na RGE não tinha como
botar o André, porque não tinha documento dele, tinha que ter todos os dados
pessoais, e não tinha como. No Paraíso Azul está registrado como minha e do
Marcus Maceió, na RGE também. Esta música é afiliada da Sony Music, então está
lá a parceria minha e dele. Essa música é minha e do Marcus Maceió. A ideia do
André é que não pôde permanecer mais, por que não tinha como. Eu registrei até
onde pude, como no compacto, que é independente, e no primeiro Lp, que eu
coloquei o André, aparece lá Beto, André e Marcus Maceió. Então a história é
essa.
DM
– Qual foi o motivo pra você lançar a música em três trabalhos diferentes,
compacto, primeiro e último Lp?
RB
– Porque a música insistia no seu vigor. A música era… Era não, é vigorosa!
Você vê que, 84, 94, 2004, 2014… 33 anos, e ela ainda vive.
DM
– É o segundo hino de Maceió, só está atrás de “Minha Sereia”, do Carlos Moura.
RB
– Palavras suas, você que está dizendo. Pois é, também acho… Assim, se houvesse
uma classificação, ainda acho “Minha Sereia” a primeira música. Eu,
particularmente acho “Minha Sereia” o primeiro hino de Maceió, e acredito que
você está certo, “Ponta de Lápis” pode ser considerado o segundo. Há quem diga
que ela é primeiro, é muito relativo, mas eu considero “Minha Sereia”. Muita
gente acha que é “Ponta de Lápis” pelo fato, assim, a nível local, muita gente
acha que a nível local ela foi uma música que marcou muito, mas “Minha Sereia”,
ela é praticamente nacional. Por isso eu acho que “Minha Sereia” é a primeira.
Acho que “Ponta de Lápis” é a música mais regravada da história da música
alagoana, se você fizer uma pesquisa, ela é a música mais regravada, tanto
oficial, como pelos piratas. Mas é aquela história, as duas músicas são
parelhas a nível de visualizações e tudo mais na internet. Mas eu,
particularmente, acho, sinceramente “Minha Sereia”, do Carlos Moura, é o
primeiro hino. Tem também aquela: “ai, ai, que saudade, ai que dó”, que reinou
por muitas décadas, que o Luiz Gonzaga gravou. Então assim, isso tudo é muito
relativo, não tenho essa vaidade, só em saber que dei minha contribuição,
porque a música hoje, eu a considero que não é minha, é do povo, é uma música
que ultrapassou essa coisa da autoria.
DM
– Ela estourou nos três lançamentos?
RB
– Estourou nos três lançamentos. Estourou com Ivaldo Maceió, estourou com
Eliezer Setton. Eliezer Setton, que é uma figura mara, que eu amo, ele sempre
diz pra mim que é a música que ele gostaria de ter composto, de ter escrito.
Então assim, isso me dá muita alegria, muita satisfação. Fico muito honrado,
viu, Setton?
DM
– Bem, agora passando pra o seu primeiro Lp, como se deu esse primeiro convite
pra ir pra Comdil e a oportunidade de gravar um disco cheio?
RB
– A questão da Comdil era o seguinte, a Comdil passou a ser o point dos
músicos, então nos reuníamos lá, e nessas reuniões a gente conversava com o
Jacinto, o dono. E aí todo queria ter o seu disco, todo mundo queria sair pelo
selo Polydisc, todo mundo queria. E assim, a gente batia um papo, conversava, até
que ele chegou pra mim dizendo que ia lançar o meu disco, que era pra eu
preparar a fita, que geralmente a gente bancava o estúdio. Então era mais ou
menos assim, quem podia, assim, que tinha um trabalho interessante, que ele
achava que dava pra rodar, vamos dizer assim, vender, ele apostava. Tinha
vários, ele saiu apostando, acho que ele não perdeu.
DM
– Onde foi que você gravou o disco?
RB
– Recife, no estúdio da Comdil.
DM
– Você levou músicos daqui ou gravou com músicos de lá?
RB
– Esse Lp eu gravei com músicos daqui, o segundo também foi com músicos daqui,
já o último foi com músicos de lá.
DM
– Foi a Comdil que bancou a prensagem ou você continuou bancando?
RB
– Não, a gente bancou só o estúdio.
DM
– Eles bancaram a prensagem?!
RB
– Prensagem, distribuição, viagens pra gente divulgar, hotéis.
DM
– E quantas cópias foram prensadas desse?
RB
– Ah, eu não tenho controle. Nisso aí eu não tinha controle.
DM
– No caso esse já foi distribuído em lojas?!
RB
– É, distribuído no Nordeste todo. Não distribuía só em Maceió, mas em Sergipe,
Pernambuco… Vendia muito em Pernambuco. No mínimo Alagoas, Pernambuco e Sergipe
eles tinham total estrutura. Então eu não faço ideia quantos mil discos eu
vendi de nenhum dos três. Não tenho a menor ideia.
DM
– Há uma diferença de três anos do compacto para o primeiro Lp, esse convite da
Comdil surgiu logo depois do compacto, ou três anos depois, quando você gravou
o Lp?
RB
– O primeiro (compacto) foi em 84, o Lp foi em 87. Eu acho que eu gravei a fita
em… Foi tudo em seguida, gravando e… Acho que em 87 mesmo. Porque o seguinte, o
disco que eu tirei… Dos 3000 discos que eu vendi logo… Mas eu passei a fazer
tanto show que, assim, eu me envolvi tanto com a parte de shows, que achei que…
Não quis fazer outro trabalho independente, totalmente independente, prensar…
Não pensei nisso, porque estava muito bom, fazendo shows num preço bom, a grana
estava entrando fácil, aí eu vi que não era o momento. Foi quando começamos a
pensar, 86/87, no projeto, daí ele aconteceu. Até gravar, foi entre 86 e 87.
DM
– Depois de lançado, você chegou a fazer uma turnê pra esse disco?
RB
– Sim. Todos eles eu fiz turnê, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Salvador.
DM
– Mas chegou a ir pra o sudeste e sul, ou ficou no nordeste?
RB
– Não, só fiquei no nordeste. Ficamos ali com os discos só a nível regional.
Exatamente por isso, porque eu tive um problema, como eu lhe falei, logo no
primeiro Lp eu tive problema com o Beto Barbosa. Foi exatamente nessa data que
ele foi lançado.
DM
– Você tinha falado que ia permanecer com o nome nesse disco, quais foram as
consequências disso?
RB
– Exatamente, outro erro de cálculo, o primeiro foi no compacto. Então eu tive
dois grandes incidentes na minha vida musical…
DM
– Mas quais foram as consequências quando o saiu o Lp como Beto Barbosa?
RB
– Foram as piores possíveis, pra você ter uma ideia, eu passei um ano sem sair
de casa, pra você ter uma ideia da pressão pesada. Era do trabalho pra casa, na
época eu trabalhava na Cobel. Não queria saber de cantar, de palco, nada!
Passei um ano sem sair, aí depois é que houve um aniversário da Gazeta, e os
músicos que formavam a banda, que também tocavam juntos entre eles, me
convidaram – eles iam participar lá na Pajuçara – pra participar desse
aniversário da Gazeta. Foi aí onde eu fui lançado como Roberto Barbosa por um
rapaz que trabalhava com o Phel Marques, que faleceu já. Ele me deu a ideia, lá
na hora, quem apresentava era o Mathias Junior, que ficava a todo momento
anunciando um novo cantor. Aí passou a ser a atração do aniversário da Gazeta,
uma festa com muita gente lá na Pajuçara, e o novo artista era Roberto Barbosa.
Quando ele anunciou meu nome como Roberto Barbosa, a galera subiu, porque ele
ficou fazendo aquele suspense e me colocou como a atração principal, e eu não
estava na programação, eu através do convite dos meus músicos. Aí passei a ser
a atração da festa.
DM
– Essa foi a motivação que você precisava pra voltar…
RB
– Pra voltar, exatamente, porque quando ele anunciou Roberto Barbosa a galera
sabia de quem se tratava, porque estava tão próximo Beto Barbosa de Roberto
Barbosa, e o Beto Barbosa da lambada estava estourado. Então esse nome, porque
o rapaz, Fragonard era o nome dele, falou pra mim que o ‘Barbosa’ o Beto da
lambada divulgou, e o ‘Roberto’, Roberto Carlos divulgou, então meu nome era
Roberto Barbosa, e era ainda, segundo ele, mais forte do que Beto Barbosa. E
ele realmente foi um estouro, quando eu entrei catando, cara, foi uma loucura,
aí sim foi um combustível pra eu fazer esses dois discos, depois eu resolvi
parar. Se foi mais um erro, eu não sei.
Cópia
do Lp que pertenceu a Fragonard (acervo pessoal meu), acreditem ou não,
descobrimos por acaso após a entrevista.
DM
– Mas houve alguma tentativa de tirar os discos de circulação, do Paraíso Azul?
RB
– Não, porque ele estava sendo lançado, e eu também estava sendo lançado. Ele
não tomou nem conhecimento, porque ele estava na Globo. Eu poderia ter
bloqueado a carreira dele, porque eu registrei no Marcas e Patentes. Eu passei
uma patente minha dez anos, e não quis acionar, não quis. Não sou uma pessoa
aproveitadora, não sou. Eu acho que ele não planejou isso, foi um acaso, uma
coisa que aconteceu. Depois eu encontrei ele aqui, ele tinha uma boate, aí
mandou o pessoal da produção me chamar lá na boate, me recebeu – ele mandou me
chamar – porque ele sabe que demorou muito pra entrar aqui, a Gazeta fez de
tudo pra o Beto Barbosa não entrar aqui. Aí quando a Continental soube que ele
estava estourado em todo canto, e aqui não, porque existia eu como Beto
Barbosa, aí eles detonaram mesmo, premiação, geladeira, televisão. Aí os
programadores da Gazeta me chamaram dizendo que não podiam fazer mais nada. Por
mim estava tudo bem. Então assim, aconteceu esse imprevisto na minha vida
musical, na minha carreira. Por que, eu não sei, quem acredita em Deus, quem
tem essa espiritualidade pode querer encontrar uma resposta espiritual tipo,
Deus não queria que eu estivesse nesse caminho, ninguém sabe o que poderia
acontecer. Então hoje eu sou um cara realizado, tenho uma família linda, eu já
era casado, mas não tinha filhos, depois de tudo isso eu constituí uma família
bela. Enfim, escrevi uma nova história, há dez anos que eu moro na Bahia, em
Barreiras, cidade de mais de 150 mil habitantes, cidade muito boa, e estou
vivendo.
DM
– O seu segundo disco já saiu no outro ano, como foi a gravação dele, você
levou os mesmos músicos pra Recife?
RB
– Foi uma sequência. Já foram outros músicos, nesse aqui você pode observar que
foram músicos que tocavam na minha boate, Dunas, aqui na Pajuçara. Era o Zé
Carlos, Jamil, Edmilton, Jeff… Teve algumas participações de músicos de
Pernambuco, mas aqui foram músicos da boate, que trabalhavam comigo nos shows.
Já o Paraíso Azul, também músicos que trabalhavam comigo, mas em outra
formação, que era uma outra época também.
DM
– E manteve o mesmo esquema com a Comdil, você bancou o estúdio e eles bancaram
a prensagem?
RB
– Não, aqui não. Aqui eles já fizeram isso completo, só foi aquele primeiro lá.
Nesse aqui eles já pagaram o estúdio, eu fui lá e gravei, aqui já foi pela
gravadora.
DM
– E também aconteceu, estourou, vendeu bem!?
RB
– Esse aqui “Ilha de Itamaracá” foi um pipoco, o que mais tocou aqui… Teve um
Pot-pourri que também tocou bastante… Mas o grande destaque aqui foi “Ilha de
Itamaracá”.
DM
– O terceiro já saiu três anos depois, como se deu essa transição da Comdil pra
RGE?
RB
– Veja bem, depois desse trabalho aqui eu cheguei a conclusão de que, ou ia pra
uma gravadora maior, ou eu também não queria mais a Comdil. Eu era um cara
assim, eu apostava, ou era pra erra ou acertar, mas eu tinha umas apostas,
tomava algumas posições, e isso me prejudicava também, porque eu era muito
independente, e nesse ramo, na música, no futebol você não pode ser muito
autêntico, muito independente, porque aí os produtores, os empresários não
gostam, querem pessoas que eles possam projetar pra que deem o retorno pra
eles. Obviamente que também é bom pra pessoa envolvida, claro, pra todos. Mas
assim, eu tinha muito pé atrás de tudo isso, e aí foi quando eu fiquei esse
período sem gravadora, aí surgiu, na Comdil mesmo, veio um representante da
RGE, e ele pensando em lançar alguém local, e aí o Jacinto falou sobre mim. Só
que eis que surge de novo esse lado do Beto, vamos dizer, meio atrapalhado,
parece até aquele filme do Hassun, toda vez que ele chega perto de ser rico,
fica pobre, “Até que a sorte nos separe”, pois é. Eu não sei se tem alguma
síndrome dessa aí que me acompanhou, eis que quando eu cheguei onde eu queria,
resolvi parar.
DM
– Mas esse disco também foi bancado pela gravadora?
RB
– Bancado pela gravadora RGE, tudo.
DM
– E vendeu bem também?!
RB
– Vendeu bem, vendeu muito bem. Esse disco estourou com “SOS Planeta Terra”,
que a Leci Brandão regravou, aí sim eu botei “Ponta de Lápis”, porque era um
disco já num outro patamar, “Coisas da Natureza”. Bom, também fiz alguns
balanços aqui já na onda da lambada, uma coisa mais comercial. Foi um disco
mais comercial mesmo, eu gosto dele, gosto, tem “Terreiro de Olinda”, que é uma
música que eu gosto muito, “Coisas da Natureza”, que eu amo, “Punhal de
Desejo”, que é uma música lindíssima, do Tibaúba. Bom, no mínimo essas músicas
que eu destaco aqui que são muito boas, as outras são mais voltadas… “Moleque
Namorador”, que é homenagem a praça Moleque Namorador, QG do frevo de Maceió,
essa é do Gláucio Barbosa, meu irmão, música muito boa também. E aí eu decidi
parar, não estava feliz, não estava me sentindo bem.
DM
– Isso tinha alguma coisa a ver com os problemas do nome?
RB
– Sim, por que eu perdi muito tempo, se bem que esses intervalos de um disco
pra o outro tem muito a ver com todo o massacre. Foi um massacre! Obviamente
que reflete também nas vendas, foi um disco que vendeu bem, mas poderia ter
vendido muito mais, podia acontecer em vários Estados, mas aí fica sempre
ofuscada a coisa. Por isso que não fiquei feliz, porque eles mandavam eu sair
pra dar entrevista em outros Estados, e eu tinha que contar essa história. Aí
eu não estava feliz, melou. Chega, não preciso provar pra ninguém que canto,
que vendo, que as pessoas gostam, porque assim, é uma discografia importante,
se você analisar pra realidade de Alagoas, a minha discografia é importante. Eu
também participei de um Lp de músicas em Aracaju, foi através de convite.
DM
– Olhando em perspectiva o seu trabalho, dá pra perceber que há uma transição
musical desde o compacto até o Coisas da Natureza. O compacto era uma coisa
mais MPB, já o Paraíso Azul puxa um pouco pra o Axé dos anos 80, de trio
elétrico, já os dois últimos mais pra lambada. Foi algo seu ou foi imposição da
gravadora?
RB
– Não era imposição, é mercado. Era uma coisa de mercado, como eu não tinha um
estilo, uma linha definida, por exemplo, vamos pegar um alagoano, Cara Veia,
ele tinha a vibe dele, uma banda de reggae, essa atual, a Vibrações, tem a
vibe. Eu não, eu era um pop, uma coisa eclética, então já era mais difícil você
vender, você se posicionar dentro do mercado fonográfico sem uma linha
definida. Então, quando eu lancei o compacto, ali era o que a gente fazia, MPB,
no dia-a-dia, na noite. Era MPB! Quando eu lancei o Paraíso Azul, veja, aí já
era a época de trio elétrico, aí você já tem que partir pra um balanço, puxar
pra um lado mais dançante. E a gente veio seguindo mais ou menos assim, buscando
se encontrar, buscando uma corrente, uma vibe, um estilo. Então na verdade eu
estava buscando me posicionar, que é difícil, MPB, aí vem o MPB nordeste, Axé,
Axé Music, Lambada, Pagode, Sertanejo… Pra mim era complicado.
DM
– E como se deu esse contato com a Leci Brandão pra gravar uma música sua? Você
a conheceu pessoalmente, como foi isso?
RB
– Não, ela começou a vir a Alagoas, porque ela tinha uma amiga aqui, e essa
amiga dela foi quem me apresentou. Ela disse que estava fazendo uma pesquisa
nas capitais, que gostaria de gravar fora do eixo Rio-São Paulo, outros
compositores. A música era minha e do Geo D’Almeida, uma música boa, forte, tem
um apelo ecológico. Foi massa, foi legal, ela gravou e foi importante. Essa
música tocou bastante com ela.
Cópia
do Lp que pertenceu a Jô, amiga que apresentou Leci Brandão ao Roberto (também
acervo meu), também descoberto por acaso depois da entrevista.
DM
– Você recebeu direitos autorais por todas as suas músicas?
RB
– sim, não todas, mas daquelas mais executadas, sim. “Ponta de Lápis” é a
campeã, “Céu Mar”, “Mistura de Raças”, “Nenhum Segredo”… Tem algumas outras
músicas que não aconteceram a nível de execução, pra você receber.
DM
– Você recebe até hoje?
RB
– Até hoje, só que em quantidades menores, claro, tudo tem seus momentos. Mas
“Ponta de Lápis” continua sendo, ainda recebo quando toca em televisão, no
rádio, alguns shows de artistas que regravaram ela, o próprio Eliezer, Ivaldo
Maceió, Geraldo Cardoso.
DM
– Desde que você encerrou a carreira, dos anos 90 até hoje, você não fez nenhum
show mais, ou fazia shows esporádicos?
RB
– Não, desde que eu encerrei, assim, pra subir em palco mesmo, não. Em 2006 eu
ensaiei uma volta, mas pra noite, nós colocamos o bar no Farol, Chapéu de Couro
Farol, depois passou a ser Mofada, nem sei mais o que tem lá… Aí eu cantava no
palco do bar. Foi muito bom, um estouro, mas aí surgiu um convite pra gente
morar na Bahia, já pelo lado da minha esposa, aí também ela estava com três
filhos pequenos, e ela me pediu pra sair da noite, porque eu comecei muito
novo, comecei com 17 anos em Campina Grande e baile. Então era um cara da
noite, meramente da noite, depois eu me formei, trabalhei como advogado dez
anos na Cobel como consultor jurídico, aí era de dia e de noite, aí vem boate,
bar, restaurante, quer dizer, eu trabalhava muito. Então, dentro de casa
começou a complicar, as crianças, tudo, aí a família começou a cobrar também,
aí eu somei tudo e decidi que não ia mais… Mas tudo tem o reflexo do Beto
Barbosa, da história lá. Porque a história da Continental, essa eu poderia
superar, se não existisse a história do Beto Barbosa. A própria Continental
mandou um olheiro aqui pra mim, num show que eu fiz com Eduardo Dusek e
Jorginho do Império na Pajuçara, Festival do Mar, não lembro o ano, e a
Continental mandou um olheiro pra me contratar. Foi quando no ano seguinte eu
lancei o disco lá, e o cara fez um show em Fortaleza, o Beto Barbosa, produzido
pela Verdes Mares, que é a Globo de lá. Aí a opção foi pelo Beto Barbosa de lá.
Mas eles ainda tentaram, vieram me olhar aqui, e chegou a minha pessoa que a
Continental ia me contratar, tinha toda essa expectativa. Mas logo depois
surgiu lá e eles foram assistir também, o olheiro ia pra todo canto. Aí eles
estavam avaliando a história do Beto Barbosa, de cá e de lá, mas o projeto de
lá era muito mais comercial, apesar de eu ser muito mais estourado do que ele,
muito mais conhecido do que ele. Na época eu tinha um potencial aqui, mas ele
tinha potencial pra Brasil, porque o grupo Kaoma estava estourado naquela
época, aí o projeto encaixava perfeito da Continental pra ele. São coisas da
vida.
DM
– Pra encerrar, há alguma vontade de voltar aos palcos, de gravar um dia?
RB
– Não. Assim, não pra encarar profissionalmente, honestamente não. Agora, eu
tenho vontade sim, tenho desejo, estou compondo, estou numa fase compondo
bastante, tenho várias músicas novas. Então eu tenho já há muito tempo, agora
eu fico resistindo, mas eu tenho vontade de gravar um trabalho, até pra essa
nova geração saber quem eu sou, saber que eu sou um dos autores da música, mas
que sou o cara que lancei a música primeiro. Isso eu tenho vontade. Vai ter
agora os 200 anos de Maceió [sic], e eu estou pensando em fazer um projeto pras
secretarias de cultura tanto do município, como do Estado, e pretendo reunir
uma boa galera pra montar esse show, e pretendo fazer esses shows, e pretendo
também fazer um no Teatro Deodoro, pra reviver tudo, gravar. Uma boa seria
fazer alguns shows, quatro ou cinco shows bons, bem produzidos, e aí combinar
com o disco. Um Cd seria bastante interessante, e aí a Deus pertence o futuro.
Mas assim, eu hoje não tenho… Tenho 57 anos, não tenho mais os sonhos de um
jovem como você, mas quem sabe com mais maturidade, alguma coisa possa fluir, não
sei, meus filhos já estão todos adultos, todos estudando, fazendo medicina.
Então assim, estou num momento em paz com a vida.
DM
– Queria agradecer por essa entrevista, em nome do blog. Muito obrigado.
RB
– Eu que agradeço de coração, um prazer lhe conhecer. Quero deixar um abraço
carinhoso pra todos que me conhecem, que conhecem a música “Ponta de Lápis”,
àqueles também que não me conhecem, muito prazer, Roberto Barbosa!
Fonte:   Clube do Vinil de Alagoas

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