Repórter
Luciano Carneiro esteve no dia seguinte ao tiroteio em Mata Grande.
Com
esta manchete a revista O Cruzeiro de 21 de outubro de 1950 publicava uma das
mais completas reportagens fotográficas sobre a violência que dominava a
política alagoana naquele período. O repórter cearense Luciano Carneiro, um
jovem fotojornalista, acompanhou de perto os acontecimentos de Mata Grande que
resultaram na morte de quatro pessoas.
O
episódio ganhou repercussão nacional e traumatizou Alagoas principalmente por
ter vitimado três jovens, sendo dois deles irmãos.
Luciano
veio a Alagoas para acompanhar as eleições de 3 de outubro de 1950, prevendo
que a acirrada disputa entre o governador Silvestre Péricles de Góis Monteiro e
Arnon de Melo não terminaria bem.
Silvestre
apostava suas fichas em Luís Campos Teixeira (PST) para derrotar Arnon, o
candidato da UDN, que tinha o apoio de dois dos seus irmãos: o senador Ismar e
Edgar de Góis Monteiro.
Nos
municípios do interior do Estado o debate político era radicalizado e as
atenções estavam voltadas principalmente para Mata Grande, onde a mobilização
de pistoleiros oriundos de Pernambuco anunciava que haveria confronto violento
entre os representantes dos dois blocos políticos.
O
prefeito do município era Moacir Peixoto, PST, ligado a Silvestre Péricles e
recebendo o apoio de Pompílio de Alcântara Brandão, casado com uma sobrinha
bisneta de Euclides Malta. Esse grupo apoiava a candidatura ao governo de
Campos Teixeira.
Outra
parte da família Malta, liderada pelo deputado Antonino de Albuquerque Malta,
irmão da esposa de Pompílio, apoiava Arnon de Melo para o governo e Eustáquio
Malta para prefeito de Mata Grande.
Para
acirrar mais ainda o clima existente, o governador Silvestre Péricles esteve no
município três dias antes das eleições. Após sua saída, o prefeito Moacir
Peixoto passou a afirmar publicamente “que recebera ordens para matar os
adversários”, como noticiou o Diário de Pernambuco de 5 de outubro de 1950.
A
UDN, temendo a postura agressiva do governador, cobrava a presença de tropas do
Exército para evitar o derramamento de sangue. O Tribunal Superior Eleitoral
requisitou as forças federais, mas estas somente chegaram ao local com duas
horas de atraso.
Silvestre
dizia que este pedido de tropas não passava de uma campanha ardilosa organizada
contra o seu governo.
Tiroteio
Na
noite anterior ao dia das eleições, às 21 horas, Ismar de Góis Monteiro deixou
Maceió para amanhecer em Mata Grande, onde pretendia atuar para, segundo ele,
apaziguar os ânimos: “Mata Grande está ameaçada de transformar-se amanhã numa
pequenina Coreia”, comparando o município sertanejo à guerra da Coreia.
Ao
que tudo indica, contrariando suas intenções, foi a presença do senador a
espoleta que fez explodir o conflito. A informação que circulou ao se saber que
ele programara ficar em Mata Grande durante o dia das eleições, foi a de que
seu intuito era o de desmoralizar os adversários.
Silvestre,
tomando conhecimento da viagem, estimulou seus correligionários a enfrentarem o
irmão. Rosita de Góis Monteiro, irmã e aliada de Silvestre, também foi para
Mata Grande.
As
primeiras informações sobre o conflito chegaram a Maceió às 9 horas da manhã do
dia 3 de outubro. Um telegrama urgente noticiava ao Tribunal Eleitoral que a
cidade estava debaixo de cerrado tiroteio.
O
segundo telegrama, uma hora e meia após, foi enviado pelo senador Ismar. Tinham
cessados os tiros graças a chegada do Exército, ele estava ferido e havia
quatro mortos.
O
jornal Diário de Pernambuco detalhou que quando o tenente do Exército chegou ao
local com dez soldados, encontrou a cidade deserta. “A população em peso, tinha
se refugiado nas matas, nas fazendas próximas, tinha-se enfurnado em qualquer lugar,
espavorida e alucinada”.
Horas
depois, com a chegada de reforços vindo de Palmeira dos Índios e Água Branca, a
situação foi normalizada e os moradores puderam voltar à cidade.
Na
madrugada do dia seguinte, quando o repórter de O Cruzeiro chegou a Mata
Grande, encontrou o senador Ismar ferido
na região glútea. Conversou com ele e colheu sua versão do ocorrido:
“Aqui
cheguei às 8h15, tendo logo após falado com Antonino Malta, presidente do
diretório da UDN, que me mostrou um documento de pessoa digna de toda fé,
denunciando um plano sinistro para a eliminação deste senhor.
Conversamos
um pouco e combinamos fazer as eleições num clima de calma.
Às
8h30 mais ou menos fui avisado de que o sr. Eustáquio Malta, presidente do diretório
pessedista e irmão de Antonino, estava sendo insultado e provocado na rua. Para
lá encaminhei meus passos, despreocupadamente, com a intenção de apaziguar os
ânimos, tanto que levava apenas o meu revólver de calibre 32 com a carga
própria de uso pessoal.
Não
conhecia os propósitos assassinos dos dominantes da situação, que dias antes
encheram a cidade de capangas pernambucanos e contavam com o apoio
incondicional do delegado de polícia (ex-chofer do prefeito local) e do
comandante do destacamento policial, sargento Miguel Pereira, um dos assassinos
do pai do deputado Oséas Cardoso.
Trazia
sempre comigo, porque viajava constantemente pelo interior, onde reinava um
ambiente de provocações e de terror, uma metralhadora portátil. Mas tão imbuído
de paz eu me achava que nem sequer sabia o lugar exato em que a mesma se
encontrava no “jeep” de minha viagem.
Ao
me aproximar do grupo que discutia, vi balearem o sr. Eustáquio e abrirem
cerrado tiroteio, não só de um lado da rua, como do outro. Era um golpe adrede
preparado em que, desprevenidos, ficamos encurralados entre dois fogos.
Procurei
retroceder, sacando da 32 e reagindo. Ao chegar à porta do sr. Antonino Malta,
já encontrei caída na calçada a jovem Sônia, filha de Eustáquio Malta, de 17
anos de idade e com uma bala na cabeça.
Tentei
levantá-la mas a fuzilaria continuava de baixo e de cima. Lembrei-me da
metralhadora no “jeep”, que estava perto e para lá corri, fazendo uma busca vã.
O “jeep” foi duramente atingido e tive de retroceder para junto de Sônia, ainda
moribunda.
Já
a esse tempo, a frente e os fundos da casa de Antonino, dentro do plano
estabelecido, eram ocupados e a casa fortemente atacada. Procuramos fazer a sua
defesa numa inferioridade sensível. Éramos eu, Antonino Malta, uma sua irmã —
que nos municiava — e um empregado.
Dentro
de casa já estavam feridos, além de Sônia, que agonizava, uma empregada com um
tiro na coxa e um outro baleado na rua e que se refugiava em casa.
Ao
passar pela frente de uma porta, ouvi o zumbido de uma bala e em seguida
senti-me ferido. O sangue correu abundantemente. Fiquei um pouco tonto e
recostei-me a uma cama. Os tiros continuaram em toda a cidade, onde outras
casas eram também atacadas, e só cessaram às 10 horas com a presença das forças
federais, que tardiamente chegaram para as eleições”.
Rua
Gabino Besouro, atual Rua Eustáquio Malta. 1. Local onde Eustáquio foi atingido
e por onde se arrastou. 2. Onde Sônia Malta foi baleada na cabeça. 3. Onde João
Ubaldo tombou. 4. Onde Napoleão Henrique foi atingido.
Homero
Malta, irmão de Eustáquio e Antonino, também testemunhou o ocorrido e assim
descreveu o que viu: “Mais ou menos às 8h30 eu ia passando pela Rua Gabino Besouro,
quando ouvi o prefeito Moacir Peixoto dizer para o delegado: — “Prepare os
cabras”. Corri e avisei ao senador, que não quis acreditar.
Pouco
depois Eustáquio saiu de sua casa e ao passar em frente à farmácia encontrou-se
com o prefeito, já rodeado de alguns capangas. Ouvi claramente quando Moacir
Peixoto lhe disse: — “Você hoje me paga”. Respondendo então Eustáquio: — “Vocês
já querem provocar!”. Foi o suficiente para que viesse a ordem fatídica: “Atira
nesse peste!”. A fuzilaria começou. Eustáquio caiu baleado, mas ainda empunhou
um revólver e atirou num capanga. Nesse momento saiu de sua casa Maria Sônia,
para socorrer o pai. Foi baleada pelo sargento Miguel Pereira antes de alcançar
o pai, caindo na sarjeta, com uma bala que penetrou pela fronte e saiu pela
nuca. Este [o pai], pedindo socorro e se arrastando pelo meio da rua em busca
de um abrigo. (Eu lhe mostrei a trilha de sangue deixado por Eustáquio, disse
Homero), viu assim sua filha cair ao solo e logo em seguida o seu filho João
Ubaldo, de 18 anos, ser morto a traição, com um tiro pelas costas, quando
procurava entrar em casa, para apanhar uma arma.
Logo
mais uma senhora saiu corajosamente para socorrer Eustáquio. Arrastou-o até a
porta de sua casa e no momento de puxá-lo para dentro, foi testemunha da cena
mais horrorosa e dantesca que já lhe passou pelos olhos. Um soldado da polícia
[uma reportagem do Diário de Pernambuco identifica esse soldado como Maurício]
ia passando e, ao divisar Eustáquio ensanguentado e pedindo socorro, exclamou:
— “Esse peste ainda está vivo?”. Bateu-lhe com a coronha do rifle no rosto e
disparou um tiro no ventre, que o acabou de matar”.
Sobre
a morte do empregado de Eustáquio, Napoleão Henrique de Souza, Homero Malta
disse ao repórter não saber como ele foi ferido: “Apenas vi quando ele entrou
em casa de Antonino arrastando-se, para morrer pouco depois”.
Morreram
neste episódio Eustáquio Malta, sua filha Maria Sônia Malta com 17 anos de
idade, seu filho João Ubaldo Malta com 18 anos de idade e Napoleão Henrique de
Souza, um empregado de Eustáquio.
Ficaram
feridos: senador Ismar de Góis Monteiro, com um tiro na região glútea; José
Rato, com ferimento no braço; Flora Justina, com ferimento na coxa e Hilza
Malta, com dois tiros na perna. Outros feridos não puderam ser identificados
por terem fugido do local.
Estes
feridos somente receberam os primeiros curativos 15 horas após o incidente. O
médico havia fugido da cidade.
O
único preso deste episódio foi o sargento Miguel Pereira, que o Exército
encontrou tranquilamente hospedado no Hotel São Sebastião, bem próximo ao local
da fuzilaria em Mata Grande.
Segundo
o jornal Diário de Pernambuco de 5 de outubro de 1950, “após a chegada das
forças federais, o prefeito Moacir Peixoto, que dirigia o grupo, bem como o
filho do mesmo, apossaram-se de um caminhão, fugindo para o município de
Floresta, em Pernambuco”.
Desdobramentos
Prisão
do sargento Miguel Pereira, acusado de ter atirado covardemente em Sônia Malta.
Foto de Luciano Carneiro
Com
as eleições suspensas no dia 3 de outubro, os eleitores de Mata Grande — e
também de União — somente votaram no dia 29 de outubro, já conhecendo os
resultados dos demais municípios, que tinham dado a vitória a Arnon de Melo,
com 55.113 votos. Campos Teixeira teve 36.197 votos.
No
dia 29, uma das urnas de Mata Grande ofereceu o seguinte resultado: Arnon, 135
votos; Campos Teixeira, 2. Apuradas todas as urnas do município, Arnon obteve
1.052 votos e Campos Teixeira 419.
Para
estas eleições complementares, tropas federais foram deslocadas para estes
municípios cinco dias antes, o que garantiu a tranquilidade.
Entretanto,
o conflito entre os dois grupos políticos estava longe de acabar, como se nota
nas diversas notícias sobre os desdobramentos do tiroteio do dia 3 de outubro.
No
dia 5 de novembro de 1950, o Diário de Pernambuco publicou uma nota informando
que Edgar de Góis Monteiro havia telegrafado ao ministro da Justiça denunciando
que Moacir Peixoto e o sargento Miguel Pereira e “outros facínoras”, tinha
retornado a Mata Grande e estavam “alarmando a população”.
Edgar
acusava o irmão Silvestre, ainda governador, de orientar de forma “oblíqua’
tais elementos, que “não sofreram qualquer restrição e nem sequer houve
abertura de inquérito”. Temia que eles voltassem a praticar represálias com a
retirada das forças federais.
Não
se conseguiu obter mais detalhes sobre a ação da Justiça contra os envolvidos
nos crimes, mas os jornais dos anos seguintes demonstram que o processo
tramitava lentamente e sem nenhuma conclusão.
Para
se ter uma ideia, somente em fevereiro de 1951 foi que o Procurador Geral do
Estado, já no governo de Arnon de Melo, telegrafou para o Juiz de Água Branca
avocando o processo instaurado naquela comarca referente ao episódio de Mata
Grande, para ser apreciado por uma comissão judiciária.
Seis
anos depois, o Diário de Pernambuco de 11 de julho de 1957 informava que o
pleno do Tribunal Federal de Recursos havia concedido no dia anterior habeas
corpus em favor de Rosita de Góis Monteiro e Luzinete Peixoto implicadas no
conflito ocorrido em Mata Grande.
O
jornal explicou que esta decisão anulava um novo processo contra ambas, “mas
elas não estão livres de responder como autores intelectuais daquele crime”.
Moacir
Peixoto foi morar em Goiás e voltou a Alagoas para ser eleito deputado estadual
em 1958. Dias antes das eleições, 25 de setembro, sua camioneta foi alvejada a
tiros em plena Rua do Comércio de Maceió, às 21 horas.
O
veículo era conduzido por Celestino Ferreira e ocupado por Antônio Ribeiro, Djacy
Ribeiro, Luiz Petrúcio e Maria das Graças. Ninguém foi ferido e Moacir Peixoto
não estava no carro.
Segundo
o jornal Diário de Pernambuco de 27 de setembro de 1958, “os disparos partiram
de um automóvel de aluguel, conduzido por Lourenço Belo e ocupado, segundo
consta, por pessoas da família Malta Brandão, residente em Mata Grande”.
Moacir
Peixoto foi eleito em 1958 e assassinado em 7 de dezembro de 1961 por Urbano
Malta, que era criança quando o pai, João Ubaldo Malta, morreu baleado em 1950,
e por Gerson de Souza, irmão de Napoleão Henrique. Os dois foram absolvidos por
serem menores e por terem agido em “legítima defesa natural”.
Fonte:
História de Alagoas