Sertanejos buscam alternativas para sobreviver à seca em Alagoas

Animais
bebem água salgada e plantações são regadas com água reaproveitada da lavagem
das roupas. Mesmo assim, moradores se recusam a deixar o Sertão.
 
No
Sertão de Alagoas, falta de tudo, inclusive água para as atividades mais
básicas do dia a dia. Por isso, os sertanejos têm adotado medidas extremas para
enfrentar uma das piores secas da história: a plantação é regada com a água
reaproveitada da lavagem das roupas e os animais estão bebendo da água salgada
que restou nos açudes da região. 
Maria
de Lourdes já não se lembra da última vez que choveu na zona rural de
Jaramataia, um dos 38 municípios alagoanos em situação de emergência por causa
da seca. Água potável só por meio da Operação Carro-Pipa, do Exército, que
passa duas vezes por mês no Povoado Tião, onde Lourdes e outras sete famílias
dividem uma cisterna comunitária. 
No
povoado, o consumo é de 14 litros de água por pessoa, quantidade abaixo do que
recomenda a Organização Mundial de Saúde, que é de 20 litros por pessoa. O
pouco que tem, Lourdes guarda para matar a sede. 
“Comprar
água, não dá. Sabe quanto é um ‘pipa d’água’ pra vir aqui? R$ 300. Aí de um
salário você tira pra comprar um ‘pipa d’água’, vai comer o quê? Vai passar
necessidade”, diz a agricultora. 
Com
o passar do tempo, ela aprendeu a se adaptar à seca. Para a pequena horta que
mantém no quintal de casa resistir ao calor extremo, que nessa época do ano
pode chegar a 38 ºC, Lourdes recorre ao que parece ser sua única saída. 
“Eu
pego a água de sabão, que estou lavando os panos, pra colocar nas plantas pra
não morrerem de uma vez. É o jeito”, lamenta a sertaneja.
A
falta de água gerou prejuízos para agricultores de todas as regiões. As perdas
na plantação, de janeiro à setembro, chegam a 70% em todo o estado, segundo uma
estimativa da Secretaria de Estado da Agricultura (Seagri), que ainda não tem
um cálculo fechado dos prejuízos financeiros. 
A
vegetação seca não mata a fome dos animais e são comuns os relatos de perda do
rebanho. Lourdes já perdeu cinco dos nove gados que tinha. “Nós temos
quatro vaquinhas de leite ali, que rendem R$ 200, R$ 300 por semana, aí só dá
pra comprar a ração delas, pra não morrerem de fome”. 
Para
lavar a roupa, ela usa a água salgada do açude de Jaramataia, o maior da
região, com capacidade para 19 bilhões de litros, mas que a cada ano fica mais
vazio. “Fica tudo duro, quando você vai pegar [a roupa] no varal, o arame
está preso. Mas, pelo menos, sai o grude, né?”. 
Salmônico
Pinheiro, 74, também recorre à água salgada, mas vai além, dá para os animais
beberem. 
“É
água de sal pra os animais. Esse ano, ninguém arrumou nada nem pra os
bichinhos”, diz Pinheiro.
A
agricultora Mércia de Oliveira lembra que a seca é um problema antigo. Ela
lamenta a situação desse ano. “A gente falou da seca dos anos 70, de 2011,
de 2012 e não sei quantas mais. Em 2017 a gente teve água de sobra, mas 2018
veio pra tirar tudo. É uma das maiores secas que a gente já viu”. 
Alagoas
está no segundo decreto de emergência, neste ano, por causa da seca. A situação
faz o Ministério da Integração Nacional investir cerca de R$ 2,3 milhões por
mês no abastecimento de água potável nas zonas rurais, mas a ajuda é
insuficiente. 
“Ele
[Exército] veio fazer uma visita mês passado e nós reclamamos. É muito pouca
[água] pra nós aqui”, disse Maria de Lourdes. 
O
Ministério afirma que o recurso é complementar às ações dos Estados e
Municípios, mas, segundo os moradores, essa é a única ajuda disponível para a
região. 
A
Defesa Civil disse que solicitou ao Governo Federal R$ 11 milhões para
contratar pipeiros que auxiliem no abastecimento do Agreste e do Sertão. Deste
valor, R$ 5 milhões já estão disponíveis. Além disso, o governo do estado
também vai investir R$ 3 milhões no consumo humano de água. As ações devem ter
início em até 30 dias. 
A
Prefeitura de Jaramataia até abastece a zona rural, mas uma vez a cada quatro
meses, segundo os moradores. A reportagem tentou contato com a Prefeitura pra
saber sobre a possibilidade de aumentar a frequência da distribuição de água,
mas ninguém atendeu aos telefonemas. 

Amor
pelo Sertão

Com
55 anos, Marinalva da Rocha nunca viu o mar e nem imagina quanta água cabe
nele. Imensidão, para ela, é água no açude. 
“Água
no açude cheio já é bonito, imagine um rio, o mar, como não é bonito”, diz a
agricultora Marinalva, que se recusa a deixar o lugar onde mora.
Marinalva
nasceu e cresceu no município de Major Izidoro, no Sertão de Alagoas, também em
situação de emergência por causa da seca. Casou ainda jovem, com um agricultor,
e teve seis filhos, que criou sozinha depois da separação. Foi com o dinheiro
do trabalho na roça que ela alimentou toda família. 
Todos
os filhos de Marinalva deixaram o Sertão para tentar uma vida melhor na cidade.
Alguns foram para São Paulo. Outros, para o Mato Grosso. Isamar da Rocha, 24,
foi o único que permaneceu e criou raízes. 
“Eu
não me interessei em estudar, aí minha vida é essa. Tratei de casar logo pra
ter um menininho, antes que o mundo se acabe”, diz Isamar, sorrindo. 
A
palma, usada para alimentar os animais, é a única coisa que resiste nessa seca.
O solo infértil por causa da falta d’água desmotiva os agricultores. 
“A
gente não plantou. Quem plantou, não chegou nem a nascer, porque não teve
chuva”, explica Isamar, olhando para o pedaço de terra sem vida. 
Sem
a plantação de milho e feijão, Marinalva vive com apenas R$ 200 por mês, um
quarto do salário mínimo atual. O valor vem da venda do leite produzido pelo
pequeno rebanho. Com tão pouco, ela precisa economizar até no botijão de gás,
que está custando cerca de R$ 70 na região. 
“Eu
cozinho à lenha mesmo, porque que não tem condições de cozinhar só no botijão
[de gás]. Como cozinho à lenha também, eu passo dois meses com o mesmo botijão.
É a vida. Fazer o quê?”, justifica a agricultora.
A
seca também deixou José da Hora sem emprego. Antes ele ganhava dinheiro com mão
de obra na agricultura, arando terras, mas agora, sem plantação, sua única
ocupação é tentar manter o próprio gado vivo. 
Questionado
sobre a possibilidade de vender os animais, ele não demora a responder.
“Se eu vender, eu vou ter dinheiro, mas vou ficar parado, ai é pior pra
mim. É melhor trabalhar no meu gado. A gente vai levando a vida assim mesmo.
Tem que ir devagar”. 
Mesmo
com todos os problemas, muitos moradores se recusam a deixar o Sertão em busca
de uma vida melhor na cidade. 
“Eu
não saio [do Sertão]. Eu não trocaria uma casa que nem essa que eu tenho, com
um pedacinho de terra pra tratar, por uma casa na rua. Nem hoje nem nunca. O
que está prejudicando a gente é só a seca, não é mais nada”, diz Maria de
Lourdes. 
“A
gente nasceu e se criou aqui. E se tiver que sair, é só pra o cemitério”,
decreta Salmônico.


Fonte: TV Gazeta

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